Boa Sorte
Eu sou as curvas do antigo trem pelos morros,
os nelores ruminando em movimento perpétuo no pasto,
a árvore sozinha, só atormentada pelo vento seco e quente.
Eu sou a poeira do passar do caminhão de leite,
o alvoroço das maritacas no fio de alta tensão,
os formigueiros pisados por brincadeiras de criança.
Eu sou a estradinha que não leva a lugar nenhum e nem tem pressa de levar,
o pé de milho fazendo valer a vida na terra recém arada,
o coreto e a tv comunitária esperando dar a hora da novela.
Eu sou o prazer de enfiar a mão até o cotovelo num saco de grãos de feijão,
o par de havaianas soltas e tortas marcando o gol na praça,
Dona Adélia gritando, chamando os netos para o almoço pronto.
Eu sou a sobra de tempo que mora na mesinha de xadrez,
as lendas e apelidos ofensivos dos mendigos e pedintes,
o tilintar abafado das bolas de gude com a areia do parquinho.
Eu sou saudades,
inocência
e roça.