dos objetos que caem
papéis, mochilas e malas estão mais ansiosos com o reencontro do que nossas pernas. nossas pernas talvez só estejam aflitas. afinal, serão elas as responsáveis por não nos deixar desabar quando dados os abraços. já esses objetos inanimados sabem que todas as atenções estarão voltadas para eles. no reencontro, as mãos precisam se ver livres para tocarem o que tanto esperaram. querem logo fazer casa por volta da cintura ou no valezinho da nuca. os dedos a sonhar por refazerem os caminhos já descobertos no passado, mas sempre atentos para quaisquer mudança de rota. para isso, cairão por terra dando início à cena dos objetos que caem. o momento de ouro onde o medo da altura, até de quebrar por ventura, já não pesa mais nada para estes objetos que se sabem importantes. todas as palavras escritas e mudas de roupas seguiram seus caminhos para isto, para este momento. no início, a soltura, aquele pequeno frio no estômago que só as verdadeiras montanhas russas são capazes de reproduzir. e então, numa fração de segundos acelerados pela insensível gravidade, tudo já está acabado e os aplausos inaudíveis já estão a ressoar. permanecem calados no chão, estáticos, a apreciar o resto do espetáculo que passa a acontecer bem longe deles. os murmúrios e suspiros se vão junto com os corpos. só ficam o chão aquecido pelo calor dos dois pares de pés e os objetos inanimados, agora, contentes por encarnarem tão bem seus personagens. abaixam-se as colchas. as luzes se apagam. a platéia já partiu.