Textos de Luciano

shiver

amiga
  o tempo passou e ainda brota em cada canto
  seu nome
    em tinta colorida

não falei contigo por medo
confundo facilmente amizade com convívio
e nada mais devo ter em comum com você

te escrevo pra dizer
  que conquistei a vida
  e que nada me importa mais

  que os problemas
  soam como sirenes
       como sereias
    aos meus ouvidos
      que não sabem mais reconhecer a sua voz

  que não sei seu endereço
  e o quanto queria poder visitar algum lugar contigo
    seja quem for
    só pra um chá
    por um inverno

  que meu propósito não existe
  e que só vivo pra te escrever
  em mais uma carta

cosmético

as pessoas me vêem e me dizem
que nem parece que eu terminei
uma relação tão profunda e tão longa
que eu pareço radiante, leve
e até mais bonito

eu não sei se acredito nisso
que era o que eu precisava pra ser feliz
ou se é porque
todos os dias
uso o sabonete de rosto que ela deixou
pra ver se acaba logo

ao atravessar da fronteira

o amor existe
e não há o que me convença do contrário

mas ele não é uma pessoa, nem um potencial,
não é tópico, trópico, nem tem um pingo de sexual.

ele existe

e se revela
como uma antiepifania que
  em vez de se realizar pela repentina resposta genial
se materializa do ar ao você se propor
  um momento de confusão

entre
  onde termina você
e
  começa todo o resto

    (por favor,
entre)

um encontro

se eu me deixar transparecer, me desculpa
é culpa
minha

juro que tento ser tão leve
como o sol nesse frio
  seu casaco
que é quase um kimono
  de pijama

eu acabo focando muito no que há de mal na vida
e perco o sorriso no desejo
de algo ruim acontecer

essa é a forma que tenho de me forçar
a reagir, me dá a mão
vamos anoitecer

estrela cadente

  uma estrela
só posso ver uma estrela no céu
  a cidade
não me permite mais que isso
é no meio da noite nada mais

que um borrão,
um sorriso,
um desejo