Textos de Luciano

heterônimo

quem é esse
que vive minha vida em piloto automático?

que não tem consciência ou memória
há tantos anos
me sinto

    de repente
tão cheio de culpa
          de tristeza

se é esse quem eu sou
quem é esse
    que assina meus papéis
        se finge de feliz

    que engana a todos
        fecha meus olhos
        e me tortura

        ao deixar que eu viva
        três horas
        da madrugada

homônimo

outro dia, meus amigos disseram que
eu sempre serei fernando pessoa

a princípio
   levei como um elogio
   aos meus poemas
   sabendo que estou longe de chegar lá

depois
   como um insulto
   ao meu recolhimento
      minha introspecção
      minha troca de faces

por fim
    como um acerto

        quem é esse que vive minha vida
        e tranca a minha porta?

o eco e a pergunta

dorme bem
já faz tanto tempo que não durmo contigo
entre meus lábios,
tristeza

    você foi, mas deixou a mágoa
        a cicatriz

    você reverbera cada vez mais como
        um sonho bom

    estou cansado de me perguntarem
            estou feliz?

quase religioso

somos quase invisíveis

não precisamos de máscaras
    ou dogmas
    ou risos

de nós,
    só a luz perdida da noite
    os satélites

mas o amor é tão forte
mas o ódio é tão forte

        os nossos olhos
            em órbita
        não conseguem medir
        a força da palavra

fotografia dos próprios pés

parece que é algo íntimo
mas não é nenhum segredo

por onde meus pés andaram
com quem estiveram ou
o que vestiram
na noite
quietos assaltam a geladeira
tomam uma cerveja
e param de dançar, é o trabalho
do coração