não é dia azul
nem um dia branco
muito menos cinza
hoje não é sábado
não é domingo
ou qualquer dia que termine em feira
hoje não é dia de branco
não é dia de preto
hoje não é dia do índio
hoje não é dia útil
muito menos inútil
perdido nesse trabalho de escrita
hoje não começa a primavera
hoje não sabe de inverno nem outono
só do ontem quente do verão
hoje não tem café da manhã
não tem jantar no japonês
hoje não tem nada que sinta fome
hoje não tem futebol
nem corrida na praia de Icaraí
hoje a saúde foi esquecida
o hoje não passa
o hoje espera que acabe
o hoje não sabe que existe hoje
hoje é o dia
o primeiro dia
hoje é o primeiro dia sem você
Em todo o meu canto
só sei letrar teu nome
e onde antes era só pranto,
hoje vive nosso pronome.
Nos amamos,
nos cantamos
nesse poeminha de dormir
até o amanhã vir eclodir.
a ausência mora nos detalhes
ligar o ar condicionado
fechar as cortinas
apagar as luzes
nessa rotina de toda noite
a ausência já fez moradia
própria
o tudo que persistiu
esse espólio de guerra
dentro de casa
é assinado pela tua falta
menos essa camisa nova
que precisei comprar
quando estraguei a que me deste
lavando-a com água sanitária
no tanque da cozinha
coleto provas de que hoje estou
vivo
essa dor no corpo
de atleta das madrugadas
esse carpete na língua
borrado das cinzas do cigarro barato
são evidências de que aqui
nesse espaço-tempo
separando a cama do banheiro
ainda existo
ainda que apático
sobrevivo
existo
zonzo com a obrigação
de começar a semana
de novo
sem seus óculos
sem meu engov
A solidão é expurgada
pelas suas unhas
cravo a cravo
espremido das minhas costas
por fim limpa.
- Doeu?