Textos de Bernardo

Partida

Ficam as fotos estáticas,
      os discos arranhados,
      os copos vazios,
      a cama arrumada,
      os livros sem dedicatórias,
      o anel sem o anelar.

Fica o eu,
Parte o você.
Enquanto isso, os nós se perdem
     em poemas
     num caderno partido.

Menos Zero Ponto Seis

O frio me conduz.

Força o sangue quente a circular
bombeando a vontade,
          o desejo,
          o tesão,
como quem luta para sobreviver,
  e não congelar,
durante os três segundos dos nossos olhares
  cruzados.

Tanque da Cozinha

os olhos são os primeiros a entregar
  semicerrados
  inchados
  vermelhos
  perdidos.
tentando buscar uma luz de lembrança,
querendo encontrar um detalhe
  para diminuir sua culpa.

os músculos cansados
guiam o corpo para o tanque
onde esperam trabalhar incansavelmente,
somente para apagar provas que desconhecem...

um pouco de sabão,
um tanto de água
e muito enxaguar...

aos poucos, surgem as primeiras bolhas.
carregam o cheiro, o tato, o beijo, a trama, a transa.
e assim, a noite ébria se faz presente
  como quem quer ser esquecida.
  
mais fortes que na camisa,
estão as marcas na memória:
você, solto, leve e em casa;
ela, solta, leve e longe de casa.
fusão de semelhanças e diferenças em gozo.

esfrega pano contra pano com mais força.
no desespero, sangram-lhe as mãos
  dar cor vermelha do batom
  que assina seu pescoço.
sangue que mancha o roxo do tecido,
  das pequenas hemorragias propositais
  tatuagens removíveis.

no cabelo desgrenhado ainda está o cheiro,
  cigarro do depois.
na respiração, o suspiro de uma noite
  muito mal dormida

no coração, um misto de culpa
  com utopia...
no coração, uma linda utopia...
no coração, um coração limpo.

Três Tempos

No café, um pensar,
o leite frio,
o queijo quente,
a cachorra ao colo,
o mar.
Você.

No almoço, um apesar,
os azulejos do chão,
a coberta largada,
os travesseiros perdidos,
o nu.
Nós.

No jantar, um pesar,
o motor ligado,
a estrada reta,
a canção no rádio,
a ida.
Eu.

Nove Anos

Na casa de vidro
abrigamos o primeiro beijo.
Seguimos carregando-a pelas costas
com suas janelas e paredes transluzentes.

O tempo,
  sempre o tempo,
cuidou de fazer o seu papel.
  Manchas de dedos gordurosos,
  respingos de gotas de chuva,
  poeira de beira de estrada de chão
  e os trincamentos.
  
Sabíamos lavar, limpar, polir, lustrar.
As sujeiras saíam com palavras,
  mas os trincamentos...
  os trincamentos, eles não.

Os vidros trincados resistiam.
Viviam para nos lembrar das pedras tacadas.
Por vezes granito;
Por vezes barro;
Por vezes cascalho.
Por uma única vez
  paralelepípedo.
  
Sem perdão, veio o bombardeio.
Hiroshima em vidro,
Nagasaki em vida.