o raio-x não detecta
na bagagem de mão
toda essa melancolia
tão perigosa quanto qualquer explosivo
o detector de metais não capta
no fundo bolso direito
esse abandono afiado
e todas suas funções de canivete suíço
se encontrassem tudo
eu simplesmente os colocaria
de muito bom grado
dentro daquele lixo
junto com tantos outros objetos
pontiagudos ou
inflamáveis
Eu sou as curvas do antigo trem pelos morros,
os nelores ruminando em movimento perpétuo no pasto,
a árvore sozinha, só atormentada pelo vento seco e quente.
Eu sou a poeira do passar do caminhão de leite,
o alvoroço das maritacas no fio de alta tensão,
os formigueiros pisados por brincadeiras de criança.
Eu sou a estradinha que não leva a lugar nenhum e nem tem pressa de levar,
o pé de milho fazendo valer a vida na terra recém arada,
o coreto e a tv comunitária esperando dar a hora da novela.
Eu sou o prazer de enfiar a mão até o cotovelo num saco de grãos de feijão,
o par de havaianas soltas e tortas marcando o gol na praça,
Dona Adélia gritando, chamando os netos para o almoço pronto.
Eu sou a sobra de tempo que mora na mesinha de xadrez,
as lendas e apelidos ofensivos dos mendigos e pedintes,
o tilintar abafado das bolas de gude com a areia do parquinho.
Eu sou saudades,
inocência
e roça.
Todos os passos ecoam em harmonia
um grito contra essa solidão
coletiva.
Todos comprimidos
dentro de um trem de ferro
comendo a terra sob outros passos
também ecoando em harmonia
um grito contra essa solidão
coletiva.
Todos os passos rumo ao mesmo objetivo
chegar
a
tempo.
Dentro de um tempo do outro,
criado pelo outro,
imposto pelo outro.
Todos os passos soando como caixa registradora
mais metro
menos tempo
mais garrafas de whisky
pra molhar a festa da empresa
coletiva.
Na terra do MUITO,
se contenta com
seu pouco.
Pelos exageros monocromáticos
de homens que sonham com o céu,
trafega com seu bucolismo,
suas vírgulas,
um despertar colorido
- bocejo, pingado, pão na chapa, augusta -
que toma rumo próprio
encharcando de vida
esse chão impermeável.
No meio do cimento
prensado e cinza,
seu grito de liberdade
em cada esquina.
Minha caneta é pincel;
as palavras, as cores...
Versos são os seus castanhos
largados nesses fios do seu cabelo
por entre os olhos que me cegam.
Essa estrofe é sua pele bege
cadenciada pro moreno
espalhada pelo seu corpo:
escura
onde eu posso ver;
clara
onde eu queria poder ver.
Poemas se resumem em sua boca
que articula e expõe seu portão
livrando o não e trancafiando a saudade.
Poemas pintados de vermelho
se misturam em pontuação mal feita:
por vezes ponto final.
por vezes reticências...
O vermelho viabiliza o meu salto
irresponsável
flutuando com a ajuda dessa cor quente
assassinando a distância
entre a minha
e a sua
boca.