Textos de Bernardo

Daltônico

Uma confissão
  há um arco-íris
    multicromático
  a cada palmo desse cinza estático
por São Paulo.

Luzes e cores
  não encontradas
    daltonicamente
  por essa doença criada nas areias
de Copacabana.

taxa de embarque

o raio-x não detecta
na bagagem de mão
  toda essa melancolia
tão perigosa quanto qualquer explosivo

o detector de metais não capta
no fundo bolso direito
  esse abandono afiado
e todas suas funções de canivete suíço

se encontrassem tudo
eu simplesmente os colocaria
  de muito bom grado
  dentro daquele lixo
junto com tantos outros objetos
  pontiagudos ou
inflamáveis

Boa Sorte

Eu sou as curvas do antigo trem pelos morros,
       os nelores ruminando em movimento perpétuo no pasto,
       a árvore sozinha, só atormentada pelo vento seco e quente.

Eu sou a poeira do passar do caminhão de leite,
       o alvoroço das maritacas no fio de alta tensão,
       os formigueiros pisados por brincadeiras de criança.

Eu sou a estradinha que não leva a lugar nenhum e nem tem pressa de levar,
       o pé de milho fazendo valer a vida na terra recém arada,
       o coreto e a tv comunitária esperando dar a hora da novela.
       
Eu sou o prazer de enfiar a mão até o cotovelo num saco de grãos de feijão,
       o par de havaianas soltas e tortas marcando o gol na praça,
       Dona Adélia gritando, chamando os netos para o almoço pronto.
       
Eu sou a sobra de tempo que mora na mesinha de xadrez,
       as lendas e apelidos ofensivos dos mendigos e pedintes,
       o tilintar abafado das bolas de gude com a areia do parquinho.
       
Eu sou saudades,
       inocência
       e roça.

Todos os Passos

Todos os passos ecoam em harmonia
  um grito contra essa solidão
  
  coletiva.
  
Todos comprimidos
dentro de um trem de ferro
comendo a terra sob outros passos
também ecoando em harmonia
  um grito contra essa solidão
  
  coletiva.
  
Todos os passos rumo ao mesmo objetivo
  chegar
  a
  tempo.

Dentro de um tempo do outro,
  criado pelo outro,
  imposto pelo outro.
  
Todos os passos soando como caixa registradora
  mais metro
  menos tempo
  mais garrafas de whisky
  pra molhar a festa da empresa
  
  coletiva.

Fuga na Cidade Cinza

Na terra do MUITO,
se contenta com

  seu pouco.
  
Pelos exageros monocromáticos
de homens que sonham com o céu,

  trafega com seu bucolismo,
  suas vírgulas,
  um despertar colorido
    - bocejo, pingado, pão na chapa, augusta -
  que toma rumo próprio
  encharcando de vida
  esse chão impermeável.
  
No meio do cimento
prensado e cinza,
  seu grito de liberdade
  em cada esquina.