uma cova me cativa
um buraco negro
que me convida
cava em mim
uma cama de calor
um vazio de terra
essa ilusão de chama
que me cobre
e me cega
ausculto
pelas poucas frestas
um caos dissonante
em céus distantes
de onde corvos e gralhas
desistem de migrar
silenciosos
e hesitantes
o passado
não passa
gruda, cola
feito graxa
não caibo em nada
e quase nada
cabe em mim
acabo ilhado num fim
sem letra, sigla ou língua
que dê cabo ao que passo
sozinho
acato este espaço novo
e perdido me acanho perante
o estorvo
entre o encanto e o estranho
me esqueço da palavra
socorro
em minha fortaleza
cuido de meus engenhos
silenciosamente
e sigo todas as instruções da máquina de lavar
a quantidade de sabão
controlada pelo copinho dosador
limitada pelo volume de roupa
nível 3;
hesito sobre o amaciante
troco por um tanto de vinagre
e posiciono o último botão
colorida suja;
fecho o tampo,
vejo a água sair
e uma surpresa
o reflexo plástico me informa:
hoje o céu está azul
hoje eu pude ver o céu
sigo rumos
em descoordenados
movimentos náuticos
desamparado de bússolas
ou estrelas guias
sorteio rotas nubladas
vasto precipício de certezas,
a branquidão do céu
me engole saboreando a irrelevância
por milhas e milhas,
alimento o nada
dos mares assombrados por nós