Textos de Bernardo

Escassez

Minha poesia reside na ausência
  ausência de amor
           de bares
           de brindes
           de vindas
           
Na plenitude do preenchimento
  existem carinhos a se soltar
          filosofias a se criar
          saúde a desejar
          abraços onde se afogar
          
Na poesia moram os lamentos
daquilo que somos ou não temos
residem os desejos e sonhos
em uma mesma caixa de pandora
  
Por fim, a poesia que faço
  é um espelho,
          um espelho de minhas
utopias

Dominó

tudo começa em um peteleco.
te empurra para fora de um ventre
sujo, carne, osso e lágrimas.
  como será em toda a vida
  
o berro derruba a próxima peça
que leva a próxima
         a próxima
         a próxima...
         
a infância parnasiana
a adolescência sôfrega
a redenção dos vinte e poucos anos.
entre estas peças, cabe apenas
a gravidade e o oxigênio.
são a física e a química senhores
do efeito causa e consequência
conhecido como vida.

por fim, resta uma última peça
  cinza
    fria
      dura
        ríspida.
caímos por terra e ela reluta.
nos resumindo em um intervalo temporal
ali, incólume, o cair de todas as peças
ignoradas por sua própria arrogância.
estandarte do ponto final.

Bengalas

No banco duro e frio, descansei.
À frente, o rio e seu carregar cadenciado.
Atrás, a rua e seu parar demorado.
O barulho ofensivo dos motores
ignorados por acordes e poesia.

    macrotons
    
O tempo quis seguir os compassos
marcados pelo refrão.
A água pára esperando o clímax.
A respiração, desde já afetada,
não consegue se conter
    e se contenta no contratempo.
    
Com o primeiro verso,
    a primeira lágrima.
Com a primeira lágrima,
    a última culpa.
    
Na explosão de palavras e som misturam-se
    o grito,
    o vento,
    o choro,
    o inverno,
    a cidade,
    o adeus.
Todos levados pelo rio,
algus boiando, outros tantos
    afogados de preferência.
    
Eles seguem pelas ondulações,
batem nas margens,
se confudem nas curvas,
se machucam nas quedas d'água.
Depois de tanto rolar, o encontrar
    com outros restos de alguéns.

Partem juntos e mais fortes,
abraçados em sua solidão,
aguardando a redenção,
visando o desaguar na imensidão.

E ele chega:
O mar, cemitério de amores.
O mar, a liberdade.
O mar, o fim.
Só há mar.

submundo

o submundo é subjetivo
é aquilo que você nega
é aquilo que você despreza
é o que você julga
  - arrogantemente -
como câncer social

o submundo é o seu subconsciente
  - plenamente consciente -
da sua existência ínfima
vã por definição
e a caminho de acabar
numa mesa de sinuca
jogando com uma puta da praça mauá

No Cubículo Sujo (ou Prazer)

O jato de mijo quente
Vazando por meu pau
  meio flácido,
  meio rígido...
Tudo por conta daquela morena
  gostosa por excelência
na fila do banheiro do bar.