Interrogações, 2º movimento
Por que nada vai além?
tem onde não cai?
Sai de quem as ciladas?
Por que nada vai além?
tem onde não cai?
Sai de quem as ciladas?
Por que a alma beija seu espelho enquanto corre?
Escorre o seio vagando no museu da calma?
Ama o espanto que só escreve escondido?
Ungido é quem ainda ferve as mágoas no oceano?
Ano após ano em busca de um sempre que não anda?
Morar num hotel é uma experiência singular. Você acorda, atrasada sempre. Culpa os 34 episódios de Simpsons que a Fox insiste em passar todas as noites, um documentário bizarro de qualquer canal ou todos aqueles filmes ruins que você só se permite assistir sozinha. Sozinha ou com os fantasmas que te fazem companhia. Seja qual o motivo, não se dorme bem. A cama é confortável, tem o ar condicionado moderno, janelas a prova de som e cortinas que bloqueiam até mesmo a claridade das ideias. Mas algo nessa imensidão branca, construída perfeitamente para praticidade e repouso, é desconfortante. Penso num cigarro e não se pode. Desejo uma cerveja e me nego abrir o frigobar. Permito-me sentir fome e toda vontade passa ao lembrar do tédio dos restaurantes. Convenço-me finalmente a sair. Um vestido bonito, cabelos soltos, maquiagem leve e estou pronta. Puxo as cortinas e vejo somente a chuva sob a fila de carros que atolam as ruas. Me desanimo uma outra vez. Envio mensagens, reviro e-mail, refaço a mala e desisto. Me entrego a branquidão do quarto e me permito escutá-los, eles, os amigos fantasmas. Um diz ter seu nome. Na minha mente, a voz tem seu sotaque. Discutimos. Rimos. Se aninha ao meu lado enquanto abraço o travesseiro e tento dormir. Outros fantasmas aparecem e tentam ocupar o mesmo espaço. Dos principais, três. Todos comigo. E ninguém ao lado. Assumem diversos formatos, sentimentos e sonoridades Mas sempre no mesmo tom: branco. Pálido. Tal qual como o quarto.
Finda-se agora uma era, vivida em três meses. Termino como a iniciei. Com a chuva que ninguém vê. Deitada numa cadeira de sol, livro no colo e celular protegido. Sob mim, a água que ninguém mais sentiu. A cada pingo, uma tatuagem. A gota correndo sobre a coxa, a água limpando a maquiagem e grudando a roupa ao corpo. A brasa, tal como magia, permaneceu acesa. As palavras do livro vazaram, eis ai toda a poesia como deveria: escorrendo pela pele. Insisti nos vícios e quando o frio veio, uma nova música se inicou, mais palavras, agora também no ar. Repeti como uma oração. "In fact I can't stop falling out. I miss that stupid ache".
Fechei os olhos e revivi tudo aquilo que me repartiu nos últimos meses. Todas as cidades aonde estive, todos os perfumes sentidos e quartos frios chamados inconscientemente de casa. Nada disso me preenche como deve, mas somado, ah, que história! Quantos anti-heróis dignos dos roteiros mais ambíguos. O gringo errante, o maranhense enfadado e o paraense constantemente atrasado. A moça de Macapá, os companheiros de trabalho, os amigos distantes, os romances mal findados. Os chocolates deixados na porta do quarto, o bilhete misterioso na recepção e o beijo recebido naquela mesma cadeira de sol. Nenhum deles preenche, mas já são minha história. E ah, que história...