de certo você já sabe o que me trouxe aqui, pra beber um pouco do seu uísque e secar minhas roupas molhadas de chuva. só não sei se você nota a gravidade do meu problema.
não é tão sério quanto uma depressão, mas há no meu riso um pouco de charlatão, e nos meus abraços um tom de ironia. assim, não posso ficar, muito menos aqui, contigo. você sabe tanto quanto eu o quanto você se sente mal com a minha presença e com a minha despedida.
mas aí você tira minhas roupas e me convida pra tomar um banho contigo, e, não cabendo em mim, me rendo. e contigo compartilho o calor do chuveiro, e o frio de cairmos nus na sua cama, sem nem mesmo acender a luz ou fechar as cortinas.
eu penso que olho nos seus olhos, mas não tenho certeza. ainda é escuro quando vou embora e não sei bem quando volto. você está feliz de novo, meu lugar não é mais aqui. volto quando ouvir a distorção da sua guitarra, sempre na mesma canção - e não tente se aproximar de mim até lá. esse é o seu erro. você pode ser poeta sem mim, é só tentar.
felicidades,
você.
O tempo passa
para esse navio cruzando a baía.
O tempo passa
nessa canção que está pra acabar.
O tempo passa
página a página do caderno novo.
O tempo passa
para o rapaz a correr pela areia.
O tempo só não passa
lá em casa
com o relógio da cozinha
parado
sem pilha sem vontade
marcando a hora de um tempo
passado
teu.
Por favor, alguém me faz entender,
quanto barulho pode fazer
um pequeno pé de feijão?
Mesmo só semente
já a imaginamos árvore
nos levando a crescer
acerca de si mesma,
colhendo os frutos de suas descobertas.
Pau-brasil, jacarandá ou bambuzal do Anchieta
é o que queremos ter em vida,
em sua vida
pequena e já tão grande,
sem nenhum risco de extinção.
O pai e o Fluminense,
a mãe e o Fluminense,
ela e, inexoravelmente, o Fluminense.
Os tios e os sorrisos bobos
em troca dos seus sorrisos bobos
fazendo-os perceber o quão a vida é tão boba.
Avós são as pitadas de açúcar
confeitando mais uma maria mole
embalada em braços, por vez, delas.
Os três avôs, tons descompromissados
necessários a toda criança
crescida nessas casas.
Maria ainda virgem,
por sempre imaculada,
já por sonhos embalada
para por fim às vertigens.
Por favor, alguém me faz entender,
quanto barulho pode fazer
um pequeno pé de feijão
aqui no meu coração?
A cor do fim do mar
era branco marfim.
A areia toda feita
de balas de festim.
A onda que dobrava
era a asa de um querubim.
O vento de lá tocava
um choro de botequim.
Não tinha um quê de sol
nem da índia tupiniquim.
Afundei o grande mar,
mar gigante sem mim.
Enquanto uns falam do ano novo,
eu falo de amor.
Enquanto uns lembram o que é mofo,
eu falo de amor.
Enquanto uns sonham com o que vem,
eu falo de amor.
Enquanto uns desejam o que não tem,
eu falo de amor.
Enquanto uns bebem champagne,
eu falo de amor.
Enquanto uns procuram com que se banhem,
eu falo de amor.
Enquanto uns pensam em mal agouro,
eu falo de amor.
Enquanto uns pensam em juntar tesouro,
eu falo de amor.
Enquanto uns pulam sete ondinhas,
eu falo de amor.
Enquanto uns pensam em palavras minhas,
eu falo de amor.
Enquanto uns falam à Iemanjá,
eu falo de amor.
Enquanto uns usam calcinhas rosas a decorar,
eu falo de amor.
Enquanto explodem,
eu falo de amor
atemporal
escrito na rolha de um espumante
pronto para ser lançado
ao teu mar.