No café, um pensar,
o leite frio,
o queijo quente,
a cachorra ao colo,
o mar.
Você.
No almoço, um apesar,
os azulejos do chão,
a coberta largada,
os travesseiros perdidos,
o nu.
Nós.
No jantar, um pesar,
o motor ligado,
a estrada reta,
a canção no rádio,
a ida.
Eu.
Na casa de vidro
abrigamos o primeiro beijo.
Seguimos carregando-a pelas costas
com suas janelas e paredes transluzentes.
O tempo,
sempre o tempo,
cuidou de fazer o seu papel.
Manchas de dedos gordurosos,
respingos de gotas de chuva,
poeira de beira de estrada de chão
e os trincamentos.
Sabíamos lavar, limpar, polir, lustrar.
As sujeiras saíam com palavras,
mas os trincamentos...
os trincamentos, eles não.
Os vidros trincados resistiam.
Viviam para nos lembrar das pedras tacadas.
Por vezes granito;
Por vezes barro;
Por vezes cascalho.
Por uma única vez
paralelepípedo.
Sem perdão, veio o bombardeio.
Hiroshima em vidro,
Nagasaki em vida.
Minha poesia reside na ausência
ausência de amor
de bares
de brindes
de vindas
Na plenitude do preenchimento
existem carinhos a se soltar
filosofias a se criar
saúde a desejar
abraços onde se afogar
Na poesia moram os lamentos
daquilo que somos ou não temos
residem os desejos e sonhos
em uma mesma caixa de pandora
Por fim, a poesia que faço
é um espelho,
um espelho de minhas
utopias
tudo começa em um peteleco.
te empurra para fora de um ventre
sujo, carne, osso e lágrimas.
como será em toda a vida
o berro derruba a próxima peça
que leva a próxima
a próxima
a próxima...
a infância parnasiana
a adolescência sôfrega
a redenção dos vinte e poucos anos.
entre estas peças, cabe apenas
a gravidade e o oxigênio.
são a física e a química senhores
do efeito causa e consequência
conhecido como vida.
por fim, resta uma última peça
cinza
fria
dura
ríspida.
caímos por terra e ela reluta.
nos resumindo em um intervalo temporal
ali, incólume, o cair de todas as peças
ignoradas por sua própria arrogância.
estandarte do ponto final.
No banco duro e frio, descansei.
À frente, o rio e seu carregar cadenciado.
Atrás, a rua e seu parar demorado.
O barulho ofensivo dos motores
ignorados por acordes e poesia.
macrotons
O tempo quis seguir os compassos
marcados pelo refrão.
A água pára esperando o clímax.
A respiração, desde já afetada,
não consegue se conter
e se contenta no contratempo.
Com o primeiro verso,
a primeira lágrima.
Com a primeira lágrima,
a última culpa.
Na explosão de palavras e som misturam-se
o grito,
o vento,
o choro,
o inverno,
a cidade,
o adeus.
Todos levados pelo rio,
algus boiando, outros tantos
afogados de preferência.
Eles seguem pelas ondulações,
batem nas margens,
se confudem nas curvas,
se machucam nas quedas d'água.
Depois de tanto rolar, o encontrar
com outros restos de alguéns.
Partem juntos e mais fortes,
abraçados em sua solidão,
aguardando a redenção,
visando o desaguar na imensidão.
E ele chega:
O mar, cemitério de amores.
O mar, a liberdade.
O mar, o fim.
Só há mar.