Densidade
não sei se me falha o respirar
ou é só o gosto deste ar cinza
não sei onde terminam as lágrimas
e onde começa a garoa em meu rosto
já não sei se tenho
tristeza
ou São Paulo
demais
dentro de mim
não sei se me falha o respirar
ou é só o gosto deste ar cinza
não sei onde terminam as lágrimas
e onde começa a garoa em meu rosto
já não sei se tenho
tristeza
ou São Paulo
demais
dentro de mim
desfilam na passeata apertada
desse trem apertado
aquele tempo lacuna
que exige corpo dentro do vácuo
aquele tempo fatia
que necessita ser consumido mesmo azedado
aquele tempo cronômetro
que otimiza o agora sem nem acabar o anterior
aquele tempo dinheiro
que monetiza o não saber do porvir
enquanto esses tempos passam
meu tempo fica
como caiçara em cidade grande
conta seus peixes, seus grãos
um a um
passando essa preguiça
de gente do
litoral
meu tempo pede um tempo
pra poder respirar
em meio a esses tempos afobados
precisa ver correr um tempo pouco
pra se perceber só
só um tempo
um pouco de tempo
destes de esperar o ponto certo chegar
deixar o hoje morrer
preparar o amanhã para
chegar com calma
com tempo
com a calma de ter tempo
O amor acaba.
Mesmo que dure uma vida inteira,
um dia ele acaba.
Um jogo de futebol acaba
assim como o amor acaba,
com direito a mesa redonda
(aquele na da televisão
e este na do bar mais próximo)
reavaliando lances
com fofocas triviais
sobre quem bebeu caipisaquê demais
antes de um clássico
ou no aniversário da sogra.
Quando o amor acaba,
ele não dá aviso prévio
nem cobra seguro desemprego.
Ele simplesmente sai sem ser visto,
exatamente como a arrumadeira
de um quarto qualquer o fez agora,
enquanto você lia isto.
Quando o amor acaba,
ele não vai de moto, carro ou jato.
O amor domina tecnologias
impensáveis para nós!
Tecnologias que ainda só não descobrimos
porque estávamos nos acabando de amar
um amor sempre por acabar...
Quando o amor acaba,
ele se teletransporta
sabe-se Deus para onde,
mas é tão longe, tão longe,
que sempre nos dói muito
buscar o reencontro.
O amor é um potinho de Nutella
guardado por dois
só para os dois,
e, como tudo que leva Nutella,
um dia ele acaba.
O amor acaba
igual a um jogo de futebol
que acaba.
estou nessa estrada de barro batido
sustentado por um par de chinelos já marrom
olhando para o resto do caminho
cogitando o que vem depois da curva
escondida pela praga surgida no pasto
com meu passo calmo a levantar poeira vermelha
com a delicadeza do respeito ao chão
ao lado
buzinas e motores
voam a se perder de vista
numa via expressa
seguem rumo a lugar nenhum
a atormentar
o canto do pássaro que eu ouvia
Vou nadar até ali,
encostar no quebra-mar
pra ver o pôr do sol,
guardando uma braçada
pra cada dia que nos trouxe
até esta praia
cheia de cascalhos
no lugar de areia fofa.
Vou sem pensar na volta,
contando com a câimbra
na batata da perna direita
para me afogar de vez.
Fazer-me virar manchete
para os jornalistas.
Fazer-me virar lenda
para os amantes.