em minha fortaleza
cuido de meus engenhos
silenciosamente
e sigo todas as instruções da máquina de lavar
a quantidade de sabão
controlada pelo copinho dosador
limitada pelo volume de roupa
nível 3;
hesito sobre o amaciante
troco por um tanto de vinagre
e posiciono o último botão
colorida suja;
fecho o tampo,
vejo a água sair
e uma surpresa
o reflexo plástico me informa:
hoje o céu está azul
hoje eu pude ver o céu
sigo rumos
em descoordenados
movimentos náuticos
desamparado de bússolas
ou estrelas guias
sorteio rotas nubladas
vasto precipício de certezas,
a branquidão do céu
me engole saboreando a irrelevância
por milhas e milhas,
alimento o nada
dos mares assombrados por nós
penso na vida
como quem olha
o mar
a onda vai, não vem
a onda se rebenta prenha de grãos
eles se movem
geram atrito
estruturam paredes de castelos
e sujam biquínis tímidos
sem saber da primeira gota
que os tornou outros
depois outra
depois outra
depois outra
observo
reencarnações marítimas
dobrando sobre a costa
enquanto espero meu quebra-mar
uma casa de paredes largas
tijolos guardando memórias
do cárcere dela
isolada de tudo
principalmente
de mim
a janela que limita
a vista do vasto pasto
onde a cerca delimita
as memórias bovinas
separadas de tudo
inclusive
de si
não domir
porque sonhos embalados assim
são saudades insones
brotam,
mugidos e lágrimas,
arrebatam durezas
as texturas das buscas
pelo que já não há
aqui
no fim
toda chance
se tornará natureza