Ontem à noite dormi com Chico me perguntando para 'onde vai o amor, quando o amor acaba'. Não deu outra, acabei sonhando com o poço dos amores, dos amores não-queridos. Todo o universo existia lá - ou existiria cedo ou mais tarde - seja projetor ou seja alvo. Romance platônico pelo professor bonito, a gostosa do bar que você comeu na madrugada quente de 2002, o amor de werther, as paixões de bovary e até seus pais, tão santos e castos lá estão, bêbedos e chorosos.
A consistência, porém, não me era viável figurar. Ora tosco e grudento, ao ponto de não ser mais desejado, ora ralo e escorregadio, da maneira que não possa se fixar na pele e em conseqüência, não ser sentido. Apesar disso, me lembro do aroma, do gosto de mar. O fundo, quando meus pés o alcançavam, se desfazia em areia movediça. Mergulhei para entender melhor e veja só, bailarinas sobreviviam com seus passos ensaiados e sapatilhas rosas. Aprendi com elas que para sobreviver naquele mundo de desprezo, era necessário leveza.
O poço era enorme, rodeado de pessoas que ainda não haviam sido tomadas pelo trauma do amor não-desejado. Estas jogavam seus bens mais apreciáveis, para 'saciar a sede dos mal-amados'. Batons, receitas de bolo, botões vermelhos, pára-raios, maçãs-verdes, de tudo era jogado para manter a paz amorosa. Um ciclo, entende?
olá, meu nome e Luciano e sou poeta.
dizer isso é soar pretensioso
quase que instantaneamente
e você logo pensa que
não sou grande coisa
falo isso pra me engrandecer
e, nesse caso, tem toda a razão.
a diferença é que sou sincero.
manipulo com vontade minhas palavras falsas
mal usadas
sinceramente.
não sou poeta por falta do que fazer,
essa é a minha forma de parecer maior
sem fazer biquinho.
todo o barulho
antes do estilhaçar
do copo
contra a parede
todo esse barulho
gritando
para nós
calados
o estridente grito
abafado pela água
a escorrer
muda
súplica do copo
pela vida
nossas vidas
a preguiça de ter de limpar
o que há de ficar pelo chão
quando nos calarmos
por fim
Já tem tempo que esse infernal processo dominical me acompanha. A maquiagem mal tirada, corpo pesado, os lábios que despertam mais vermelhos que o comum. A manhã incrivelmente longa e sem sono. Me distraio com o que posso, todas as banalidades. E encarando a parede e segurando o choro, eu percebo: a casa ainda tinha confetes. Resquícios de uma festa que nunca existiu. 'Aqui é festa amor, e a tristeza em minha vida', cantavam no palco um pouco a mais de uma semana. E eu sempre achei que essas palavras diziam tanto, mas não era verdade. Nunca houve realmente a festa, só a sujeira no dia seguinte. Os malditos confetes que continuavam grudados pela casa, mesmo com todo o esforço, toda atenção, era sempre possível encontrá-los perdidos em todos os cômodos. Confetes estes que você prometeu vir tirar, e isso nunca aconteceu. Principalmente porque eu não queria que eles sumissem. Eu gostava de encontrá-los, me dava uma motivação pra continuar. Mas a casa nunca foi só minha, e o incomodo era grande. Todo mundo dizia que não fazia sentido, que precisava tirá-los de uma vez. Eu entendia, eu concordava mas continuava insistindo. Hoje, eu tirei todos eles. Cada um. Com ajuda, claro. Por que a casa não é só minha, apesar de eu ser a única culpada por terem ficado aqui por tanto tempo. Não mais. Nunca mais.
amiga
o tempo passou e ainda brota em cada canto
seu nome
em tinta colorida
não falei contigo por medo
confundo facilmente amizade com convívio
e nada mais devo ter em comum com você
te escrevo pra dizer
que conquistei a vida
e que nada me importa mais
que os problemas
soam como sirenes
como sereias
aos meus ouvidos
que não sabem mais reconhecer a sua voz
que não sei seu endereço
e o quanto queria poder visitar algum lugar contigo
seja quem for
só pra um chá
por um inverno
que meu propósito não existe
e que só vivo pra te escrever
em mais uma carta