Eu,
nuvem que se desfaz,
em gotas prestes a cair,
em vapores a se confundir,
em granizos a se fundir.
No fim, tudo que não é ar
se vai.
A queda,
o salto
no abismo entre o céu e o chão.
O abismo entre nós.
Menor
Menor
Menor
A gravidade acelerando
toda a água que sou
em direção ao seu corpo
de mãos dadas a outro corpo.
Cabelo e vestido molhados
sorriso de boca aberta para os céus
pronta para me receber
sem nem me perceber
tocar a ponta do seu nariz
e me espalhar em outras gotas
por você.
Tudo que restou foi jogado fora.
Nós parados e sorrindo,
as notas e os nossos sons,
as letras e declarações trocadas,
não estão mais aqui para serem
guia rápido e atalho para saudades.
Tudo, tudo foi jogado fora.
Exceto sua escova de dentes.
Ao contrário do resto,
sua escova é um totem,
um bastião do seu nome.
Ela não é só um instantâneo de um passado,
ela é o grito por sua presença...
Sua escova tem vontades próprias
e essas vontates não me permitem perdê-la.
Ela continua lá:
no mesmo pote,
com a mesma caixinha,
a espreita,
espiando o movimento do abrir e fechar
da porta do meu banheiro.
Sua escova guarda nossas memórias...
Sua escova tem o sonho da volta...
E no sonho dela, você a segura,
coloca a pasta,
esfrega com força e rapidez contra os dentes
logo após um café corrido
colocado entre o "bom dia"
e o atraso pro seu trabalho.
Ficam as fotos estáticas,
os discos arranhados,
os copos vazios,
a cama arrumada,
os livros sem dedicatórias,
o anel sem o anelar.
Fica o eu,
Parte o você.
Enquanto isso, os nós se perdem
em poemas
num caderno partido.
O frio me conduz.
Força o sangue quente a circular
bombeando a vontade,
o desejo,
o tesão,
como quem luta para sobreviver,
e não congelar,
durante os três segundos dos nossos olhares
cruzados.
os olhos são os primeiros a entregar
semicerrados
inchados
vermelhos
perdidos.
tentando buscar uma luz de lembrança,
querendo encontrar um detalhe
para diminuir sua culpa.
os músculos cansados
guiam o corpo para o tanque
onde esperam trabalhar incansavelmente,
somente para apagar provas que desconhecem...
um pouco de sabão,
um tanto de água
e muito enxaguar...
aos poucos, surgem as primeiras bolhas.
carregam o cheiro, o tato, o beijo, a trama, a transa.
e assim, a noite ébria se faz presente
como quem quer ser esquecida.
mais fortes que na camisa,
estão as marcas na memória:
você, solto, leve e em casa;
ela, solta, leve e longe de casa.
fusão de semelhanças e diferenças em gozo.
esfrega pano contra pano com mais força.
no desespero, sangram-lhe as mãos
dar cor vermelha do batom
que assina seu pescoço.
sangue que mancha o roxo do tecido,
das pequenas hemorragias propositais
tatuagens removíveis.
no cabelo desgrenhado ainda está o cheiro,
cigarro do depois.
na respiração, o suspiro de uma noite
muito mal dormida
no coração, um misto de culpa
com utopia...
no coração, uma linda utopia...
no coração, um coração limpo.